24.12.10

Grandes discursos: Dr. Martin Luther King - Eu tenho um sonho (28/08/1963)



"Estou feliz em participar com vocês do dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, sob cuja sombra simbólica nos encontramos, assinava a Proclamação da Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham sido marcados a ferro nas chamas de uma vergonhosa injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros.

Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente invalidada pelas algemas da segregação e pelas correntes da discriminação. Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha solitária de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda definha nas margens da sociedade americana e se encontra exilado em sua própria terra. E assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar essa vergonhosa condição.

Num certo sentido, viemos à capital de nossa nação para descontar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e da Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória da qual todo americano seria herdeiro. Esta nota era uma promessa de que todos os homens, sim, homens negros assim como homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis à " vida, liberdade e a busca da felicidade". Hoje é óbvio que aquela América não honrou esta nota promissória, na medida em que consideramos seus cidadãos de cor. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu ao Negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes".

Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça esteja falido. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes nos grandes cofres de oportunidades deste país. E assim, viemos descontar esse cheque, um cheque que nos dará, quando o recebermos, as riquezas da liberdade e a segurança da justiça.

Também viemos a este lugar sagrado para lembrar à América da clara urgência do agora. Este não é o momento para nos envolvermos no luxo de nos acalmarmos ou de tomar o remédio tranquilizante do gradualismo. Agora é tempo de tornar reais as promessas da Democracia. Agora é o tempo para subir do vale escuro e desolado da segregação para o iluminado caminho da justiça racial. Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é a hora de fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Mil novecentos e sessenta e três não é um fim, mas um começo. E aqueles que esperavam que o Negro precisava só desabafar, e que agora estaria contente, terão um violento despertar se a nação voltar aos negócios de sempre. E não haverá tranquilidade nem descanso na América até que o Negro tenha garantido seus direitos de cidadania. Os turbilhões da revolta continuarão a sacudir as fundações do nosso País até o luminoso dia da justiça.

Mas há algo que devo dizer ao meu povo, que se encontra no caloroso limiar que conduz ao palácio da justiça: no processo de conquistar nosso legítimo lugar não devemos ser culpados de atos errados. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Como sempre nós temos que subir às majestosas alturas de enfrentar a força física com a força da alma.

Essa maravilhosa nova militância que envolveu a comunidade negra não nos deve levar a desconfiar de todas as pessoas brancas, pois muitos de nossos irmãos brancos, como comprovado pela presença deles aqui hoje, já perceberam que o destino deles está amarrado ao nosso destino. E eles têm percebido que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade.

Nós não podemos caminhar sós.

E enquanto caminhamos, nós temos que fazer a promessa de que sempre marcharemos à frente.

Nós não podemos voltar atrás.

Há aqueles que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?" Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter hospedagem nos motéis das estradas e nos hotéis das cidades. Nós não podemos estar satisfeitos enquanto a mobilidade fundamental do Negro for a de um gueto pequeno para um maior. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos filhos são despojados de si mesmos e privados da sua dignidade por cartazes que dizem: "somente para brancos". Nós não podemos ficar satisfeitos enquanto um Negro no Mississipi não puder votar, e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça corra como a água, e a retidão como uma poderosa correnteza. " 

Eu não esqueci que alguns de vocês vieram até aqui após grandes provações e sofrimentos. Alguns de vocês vieram recentemente de celas estreitas das prisões. E alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca - a busca pela liberdade lhes deixou marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos da brutalidade policial. Vocês têm sido os veteranos do sofrimento criativo. Continuem a trabalhar com a fé de que o sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades ao norte, sabendo que, de alguma forma, esta situação pode e será alterada.

Não se deixe chafurdar no vale de desespero, eu digo a você hoje, meus amigos.

E que, embora enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais".

Eu tenho um sonho que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos proprietários de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia o estado do Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que meus quatro pequenos filhos vão um dia viver em uma nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de "interposição" e "anulação" - um dia, lá no Alabama, meninos e meninas negros poderão dar as mãos a meninos e meninas brancos, como irmãs e irmãos.

Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados; "e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta".

Esta é nossa esperança, e esta é a fé com que regressarei para o Sul.

Com essa fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com essa fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com essa fé poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, ser presos juntos, defender a liberdade juntos, sabendo que nós seremos um dia livres.

E este será o dia - este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado:
"Meu país, doce terra de liberdade,  eu te canto.
Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,
De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!"
E se a América é uma grande nação, isso tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o sino da liberdade no topo das colinas de New Hampshire.
Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas de Nova York.
Que a liberdade ressoe dos elevados Alleghenies da Pensilvânia.
Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas Rochosas cobertas de neve do Colorado.
Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.
Mas não só isso:
Que a liberdade ressoe da Montanha de Pedra da Geórgia.
Que a liberdade ressoe da Montanha Lookout do Tennessee.
Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.
De cada localidade, ressoe a liberdade.
E quando isto acontecer, quando permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todos os filhos de Deus, homens negros e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar as mãos e cantar nas palavras do velho Negro espiritual:
  
              "Finalmente livres! Finalmente livres!
              Graças a Deus Todo-Poderoso, estamos finalmente livres!"

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