28.12.10

Existe um direito à assistência médica?

Reflexão mais aprofundada sobre o tema de assistência médica como direito, já introduzido nesse espaço pelo texto do Dr. Leonard Peikoff (Saúde não é um direito)

O discurso transcrito abaixo foi proferido em várias palestras ministradas entre 1993 e 1994 pelo filósofo David Kelley, Ph.D em filosofia pela Universidade de Princeton e professor de ciências cognitivas e filosofia na Faculdade Vassar e Universidade Brandeis. Íntegra aqui.

Existe um direito à assistência médica?
Bill Clinton concorreu à presidência no ano passado, atacando a década de 80 como uma "década da ganância" - atacando as compras alavancadas e aquisições hostis projetadas por financistas de Wall Street. Acontece que eu acho que esta tendência na década de 1980 foi uma coisa boa, um realinhamento produtivo nos negócios americanos. Mas, seja como for, a ironia é que o presidente Clinton propõe agora uma aquisição hostil por conta própria, uma aquisição hostil em uma escala muito além de qualquer coisa que os capitalistas de Wall Street sonharam, uma aquisição hostil de um sétimo da economia do país . Estou me referindo, claro, ao seu plano anunciado recentemente para a "reforma" da assistência médica.

O plano de Clinton, em sua forma atual, envolve um grande exercício de coerção contra os médicos, empregadores e pacientes. A maioria das pessoas será forçada a fazer negócios por meio de cooperativas de compras de planos de saúde: monopólios apoiados pelo governo, que receberão pagamentos dos consumidores e definirão os termos em que os provedores podem oferecer seus serviços. Todos serão obrigados a comprar planos de saúde através destes monopólios, com os empregadores obrigados a pagar a parte da conta do projeto referente ao "leão". Os médicos, hospitais e empresas de plano de saúde serão proibidos de lidar diretamente com os pacientes, pois serão obrigados a oferecer os seus serviços através das cooperativas de compras, sujeitas a regras muito restritivas.

O que nos trouxe ao presente estado das coisas? O socialismo ruiu na União Soviética. As nações da Europa Ocidental estão tentando trazer de volta seus estados de bem-estar social, desesperadamente à procura de formas de privatização. Ainda assim, nesse país, estamos à beira de um grande aumento nos subsídios e controles do governo. Por quê?

A história completa é longa e complicada, mas a causa essencial, penso eu, é simples. A causa fundamental é a suposição de que se as pessoas têm necessidades de assistência médica que não estão sendo satisfeitas, é responsabilidade da sociedade atendê-las. No atual debate sobre a reforma da assistência médica, o acesso universal tornou-se o objetivo inquestionável, pelo qual todas as outras considerações podem ser sacrificadas. A suposição é que as necessidades dos beneficiários têm precedência sobre os direitos dos médicos, hospitais, seguradoras e companhias farmacêuticas - os provedores de assistência médica, as pessoas que entregam a mercadoria-, assim como sobre os direitos dos contribuintes, que terão de pagar a conta. Em outras palavras, aqueles com capacidade para prestar assistência médica são obrigados a servir, enquanto aqueles com necessidade de serem atendidos têm o direito de fazer exigências.

Na verdade, muitas vezes é dito que a necessidade de assistência médica constitui um direito. O presidente Clinton fez campanha com o slogan "assistência médica deve ser um direito, não um privilégio". Pesquisas de opinião mostram regularmente que a crença em tal direito é generalizada, mesmo dentro da profissão médica. A "Declaração dos Direitos dos Pacientes" da Associação Médica Americana inclui a afirmação de que os pacientes têm "direito à assistência médica essencial".

Se a assistência médica é um direito, então o governo é responsável por fazer com que todos tenham acesso a ela, assim como o direito de propriedade significa que o governo deve nos proteger contra roubo. Nos últimos 30 anos, a ideia de que as pessoas têm direito à assistência médica levou a um controle governamental cada vez maior sobre a profissão médica e a indústria de assistência à saúde. As necessidades dos indigentes, as necessidades dos não-segurados, as necessidades dos idosos, entre outros grupos, foram apresentadas como reivindicações sobre os recursos públicos. O governo tem respondido subsidiando esses grupos e regulando os médicos, seguradoras e companhias farmacêuticas em nome dessas necessidades. Agora, o governo Clinton propõe tornar esse direito universal, para tornar o seu exercício também universal, e expandir grandemente o controle governamental.

Neste contexto, posso afirmar minha opinião em uma frase: não existe tal direito. Eu vou mostrar por que a tentativa de implementar esse pretenso direito, na prática, leva à suspensão do direito real de médicos, pacientes e do público em geral. E vou mostrar por que o conceito de tal direito é corrupto na teoria. Quero salientar, em primeiro lugar, a importância dessa questão. A direção de longo prazo da política pública não é definida pela política eleitoral, ou por negociatas no Congresso, ou por este ou aquele tribunal. No longo prazo, em um nível básico, a política pública é definida por ideias - ideias sobre o que é justo e digno, os direitos e obrigações que temos como indivíduos. A ideia de que as pessoas têm direito a assistência médica é prejudicial para as nossas liberdades genuínas. As políticas que fluem a partir dessa ideia são prejudiciais para os interesses dos médicos e pacientes. Para lutar contra estas políticas, temos de atacar a sua raiz.

Liberdade vs. Direitos sociais

Vamos começar definindo nossos termos. Um direito é um princípio que especifica algo que o indivíduo deve ser livre para ter ou fazer. Um direito é algo que você possui de maneira livre e clara, algo que você pode exercer sem pedir permissão a ninguém. Como é um direito, não um privilégio ou favor, nós não devemos a ninguém qualquer gratidão pelo reconhecimento de nossos direitos.


A finalidade dos direitos de liberdade é proteger a autonomia individual. Eles deixam os indivíduos responsáveis por suas próprias vidas, para satisfazer suas próprias necessidades. Mas eles nos fornecem as condições sociais que precisamos para realizar essa responsabilidade: a liberdade de agir com base no nosso próprio julgamento, em busca de nossos próprios fins, e o direito de usar e dispor dos recursos materiais que adquirimos com nossos esforços. Estes direitos partem do pressuposto de que os indivíduos são fins em si mesmos, que não podem ser utilizados contra a sua vontade para fins sociais.
Vamos considerar o que os direitos de liberdade significam em relação à assistência médica. Se nós os implementarmos integralmente, os pacientes estariam livres para escolher o tipo de atendimento que quiserem, assim como os prestadores de assistência médica privados que desejarem, de acordo com suas necessidades e recursos. Eles seriam livres para escolher se querem ou não o seguro de saúde, e, em caso afirmativo, em que quantidade. Médicos e outros provedores ficariam livres para oferecer os seus serviços com base nas modalidades que escolherem. Preços não seriam regulados por decreto do governo, mas pela concorrência em um mercado. Uma vez que este é um estado imaginário de coisas, ninguém pode prever qual a combinação de médicos autônomos, planos de saúde, e outros tipos de planos de saúde iriam surgir. Mas as forças do mercado tenderiam a assegurar que os pacientes tivessem mais opções do que agora, que eles iriam agir com mais responsabilidade do que muitos fazem no presente, e que eles iriam pagar um preço atuarialmente justo por um plano de saúde - preços que reflitam os riscos reais associados à sua idade, condição física, e estilo de vida. Ninguém seria capaz de colocar os seus gastos na conta de outra pessoa. Em um mercado verdadeiramente livre, devo acrescentar, não haveria benefícios fiscais para a obtenção de seguro de saúde através dos empregadores, de modo que a maioria das pessoas provavelmente iria comprar um plano de saúde da mesma maneira que compram seguro de vida, seguro do automóvel, seguro da propriedade - diretamente das companhias de seguros. Eles não teriam a temer que, ao perder ou mudar de emprego, isso significaria a perda de sua cobertura. 


Então é isso que os direitos de liberdade - os direitos clássicos à vida, à liberdade e à propriedade- significam na prática. O chamado "direito" à assistência médica é muito diferente. Não é apenas o direito de agir, ou seja, procurar assistência médica e participar de intercâmbios com os fornecedores, sem a interferência de terceiros. É um direito a um bem: o cuidado real, independentemente de se é possível pagar por isso. O alegado direito à assistência médica é um exemplo de uma categoria mais ampla conhecida como direitos sociais. Direitos sociais, em geral, são direitos a bens: por exemplo, o direito à alimentação, moradia, educação, emprego, etc. Essa é uma diferença fundamental entre os direitos de liberdade, que asseguram a liberdade de ação, mas não garantem sucesso na obtenção de determinado bem que se está procurando.

Uma outra diferença tem a ver com as obrigações impostas às outras pessoas. Todo direito impõe algumas obrigações aos outros. Direitos de liberdade impõem obrigações negativas: a obrigação de não interferir com a liberdade do outro. Esses direitos são garantidos por leis que proíbem o assassinato, roubo, estupro, fraude e outros crimes. Mas os direitos sociais impõem aos outros a obrigação positiva de fornecer os bens em questão. 
Assistência médica não cresce em árvores ou cai do céu. A afirmação de um direito à assistência médica não garante que haverá qualquer assistência para distribuir. Os partidários desses direitos exigem, com ar de retidão moral, que todos tenham acesso a esse bem. Mas a demanda não cria nada. A assistência médica tem de ser produzida por alguém, e paga por alguém. Um dos principais argumentos oferecidos pelos partidários de um direito à assistência médica é que a saúde é uma necessidade essencial. De que valem as nossas outras liberdades, eles perguntam, se não podemos conseguir tratamento médico para as doenças? Mas devemos perguntar, em contrapartida: por que a necessidade dá a alguém um direito? Cinquenta anos atrás, as pessoas com insuficiência renal precisavam de diálise tanto quanto precisam hoje, mas não havia máquinas de diálise. Será que eles tinham direito à proteção contra insuficiência renal? A Mãe Natureza estava violando seus direitos ao levar seus rins à falência sem solução? Não faz sentido dizer que necessidade confere um direito a não ser que alguém tenha a capacidade de atender a essa necessidade. Assim, qualquer "direito" à assistência médica impõe a alguém a obrigação de prestar assistência àqueles que não podem fornecê-la para si. 
Se eu tenho esse direito, alguma outra pessoa ou grupo tem a involuntária, e não escolhida, obrigação de satisfazê-lo. Enfatizo a palavra "involuntária". Se eu tenho um direito à assistência médica, então eu tenho direito ao tempo, ao esforço, à habilidade, à riqueza de quem vai ser obrigado a prestar esses cuidados. Em outras palavras, eu sou proprietário de uma parte dos contribuintes que me subsidiam. Eu sou proprietário de um parte dos médicos que me atendem. A noção de um direito à assistência médica vai muito além de qualquer noção de caridade. Um médico que renuncia a seu pagamento porque sou indigente, está oferecendo um presente gratuito; ele mantém a sua autonomia, e lhe devo gratidão. Mas se eu tenho direito ao atendimento, então ele está apenas cumprindo seu dever, e eu não lhe devo nada. Se os outros são forçados a me servir em nome do meu direito à assistência, então eles estão sendo usados, independentemente de sua vontade, como um meio para atender o meu bem-estar. Estou enfatizando esse ponto porque muitas pessoas não compreendem que o próprio conceito de direitos sociais, incluindo o direito à saúde, é incompatível com a visão dos indivíduos como fins em si mesmos. 
Eu poderia acrescentar que a diferença entre caridade e direitos é muito bem compreendida pelos defensores do direito à assistência médica. Um de seus principais argumentos para a utilização da linguagem dos direitos é que ele elimina o estigma associado à caridade. Um direito é algo por que você não deve gratidão a ninguém. Mas note a contradição. A razão para propor tal direito, em primeiro lugar, é a alegação de que certas pessoas não podem sustentar a si mesmas, e são, portanto, dependentes de outras pessoas para cuidar de sua saúde. Os defensores do direito à assistência médica insistem em usar o conceito de direitos para disfarçar o fato da dependência, para permitir que os beneficiários de subsídios governamentais finjam que estão recebendo alguma coisa que conquistaram. 
É importante notar também que a Suprema Corte nunca reconheceu a base constitucional para qualquer direito social, incluindo o direito à assistência médica. O Tribunal reconhece que o conceito de direitos consagrados em nosso ordenamento jurídico é o conceito de direitos de liberdade. Direitos sociais são um produto de movimentos posteriores para expandir o papel do governo para além da sua concepção original. Em nosso sistema constitucional, não há exigência de que o governo federal preste assistência à saúde. Direitos à assistência médica, ao contrário dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, têm que ser inventados pelos legisladores. 

Efeitos de um direito à assistência médica 

Infelizmente, nossos legisladores têm se equiparado à altura do desafio. Eles inventaram esses direitos sem questionamentos e acima de qualquer dúvida. E isso me leva ao próximo ponto. Quando o governo tenta implementar o direito à assistência médica, o resultado será a revogação dos direitos de liberdade. Tal como acontece com o dinheiro, direitos ruins expulsam os bons. Vamos rever as principais consequências da implementação de um direito à assistência médica. Vou usar exemplos relacionados a nossa situação atual, mas essas conseqüências acontecerão, inevitavelmente, a partir de qualquer abordagem: pagador único, competição regulada, ou qualquer outra.

1) Para começar, é claro, o governo tem de taxar algumas pessoas para pagar os subsídios oferecidos aos que considera ser necessitados. Assim, a primeira conseqüência da aplicação de um "direito" à assistência médica é forçar a transferência de riqueza dos contribuintes para a clientela de programas como o Medicare e Medicaid. E isso vai aumentar a demanda por serviços de saúde. Oferecer atendimento gratuito ou fortemente subsidiado vai aumentar inevitavelmente o uso do sistema de saúde.

Os números dos primeiros anos do programa Medicaid indicam o grande aumento na demanda que pode resultar. Segundo um estudo do Instituo Brookings, em 1964, antes do Medicaid entrar em vigor, aqueles acima da linha da pobreza foram atendidos por médicos com cerca de 20 por cento mais frequência do que os pobres; em 1975, os pobres receberam atendimento médico com frequência 18 por cento maior do que os não pobres. Mais uma vez, antes de Medicaid, aqueles com baixa renda foram submetidos a apenas metade dos procedimentos cirúrgicos daqueles com renda de classe média; em 1970, a taxa para pessoas de baixa renda foi 40% maior do que para aqueles com renda de classe média. Quando Medicare foi instituído em 1966, a Comissão de Orçamento do Congresso estimava que, até 1990, considerando a inflação do período, o programa custaria US$ 12 bilhões; o valor real era de 107 bilhões de dólares (previsões dos custos dos programas de benefícios feitas pelo governo nunca são exatas. Em muitos casos, como esse, eles não tem nem mesmo a ordem de grandeza correta). 
2) A explosão dos custos leva à segunda consequência importante da implementação de um "direito" à assistência médica: as restrições à liberdade dos prestadores de assistência à saúde. Durante o debate sobre a política de saúde na década de 1960, os defensores do Medicare e do Medicaid garantiam aos médicos que só pagariam pela assistência aos indigentes e não tinham a intenção de regulamentar a profissão. Abraham Ribicoff, o então secretário de Saúde, Educação e Segurança Social, disse: "Não deve ser objeto de preocupação nenhuma dos médicos a origem do dinheiro do paciente".

Mas é claro que o aumento da procura de assistência médica levou a um rápido aumento de preços, juntamente com os abusos do sistema por clientes dos programas de governo, bem como por médicos e hospitais inescrupulosos. Estes problemas têm de ser abordadas de alguma forma, e o resultado foi uma crescente rede de controles: organizações para revisão de padrões profissionais, grupos relacionados ao diagnóstico, restrições sobre o faturamento dos balanços financeiros, revisão da utilização dos serviços. De acordo com o sistema de assistência gerenciada que têm proliferado no esforço de controlar os custos, os médicos têm cada vez menos autonomia para agir em seu melhor julgamento sobre o que é melhor para o paciente. Dr. Maurice Sislen escreveu: "Um enorme e complexo sistema policial tomou o lugar do que costumava ser a responsabilidade do médico com seu paciente. Provavelmente, só um médico em atividade pode apreciar a magnitude do desperdício econômico e a degradação moral envolvidos". 
3) Uma terceira consequência importante da aplicação de um direito à assistência médica é o aumento dos encargos impostos aos consumidores - aqueles que originalmente não necessitavam de subsídios governamentais. Como contribuintes, é claro, eles têm que pagar por todos esses programas; esse é o primeiro ponto. Mas como consumidores, eles também são afetados por todas as distorções do mercado criadas por eles. Todos pagam preços mais elevados causados pela inflação da demanda por serviços médicos, juntamente com o aumento dos custos da regulação e burocracia. Como as pessoas estão alijados do esquema, são forçadas entrar nos sistemas de atenção gerenciados, que limitam as suas escolhas de médicos.

Cláusulas de seguro de saúde imposta pelos estados, aumentam o custo do seguro e desencorajam os empregadores de contratar determinados tipos de trabalhadores. Por exemplo, leis para "classificação comunitária" exigem que as empresas de seguros ofereçam apólices pelo mesmo preço para todas as pessoas, independentemente da idade, estilo de vida ou condição física. Uma vez que os riscos reais dependem desses fatores, o que a classificação comunitária significa é que os jovens pagam preços mais elevados para subsidiar os idosos, os hígidos para subsidiar os doentes, e aqueles com estilos de vida saudáveis subsidiam aqueles com hábitos prejudiciais. Como uma indicação do tipo de subsídio envolvido, a "classificação comunitária" em Nova York quase triplicou o custo do seguro para um homem de 30 anos de idade. 

4) Outra consequência é uma demanda crescente para a igualdade na assistência médica. Se algo é, afinal, um direito humano, então deve ser protegido de forma igual para todas as pessoas. Nosso sistema é baseado na ideia de igualdade perante a lei. Agora, se ligamos a esse sistema, a ideia adicional de que todos têm o direito legal a um bem como a assistência médica, a inferência natural é que todos devemos receber esse bem mais ou menos em pé de igualdade. Por exemplo, em uma pesquisa de 1989 para o Plano de Saúde Comunitária de Harvard, 90% dos entrevistados disseram que todos devem ter "o direito à melhor assistência médica possível - tão boa quanto a de um milionário". Aqui está outro exemplo, uma declaração de Horace Deets, diretor executivo da Associação Americana de Aposentados: "Finalmente, devemos reconhecer que a saúde não é uma mercadoria. Aqueles com mais recursos não deveriam ser capazes de pagar pelos serviços, enquanto aqueles com menos recursos permanecem sem atendimento. A saúde é um bem social que deve estar disponível para todas as pessoas sem levar em conta seus recursos". E o plano de Clinton é claramente igualitário. Um dos objetivos explícitos da proposta é eliminar o sistema de "dois níveis", no qual algumas pessoas são capazes de comprar mais ou melhor assistência médica que os outros.

5) A quinta consequência - a última que eu vou falar - é a coletivização da assistência médica e da própria saúde. Assim como uma economia mista trata riqueza como um bem coletivo, de que o governo está livre para dispor da forma que considerar conveniente "para o bem comum", um sistema de saúde coletivizada trata a saúde de seus membros como um bem coletivo. Ao abrigo deste regime, os médicos já não trabalham para os seus pacientes, com a responsabilidade primordial de agir em seus interesses. Em vez disso, os médicos são agentes da "sociedade" que devem decidir a quantidade e o tipo de assistência que oferecem a um paciente individual, tendo como referência as necessidades sociais, tais como a necessidade de controlar os custos no sistema como um todo. Na verdade, o indivíduo em um sistema desse tipo é instado a proteger sua própria saúde não por seu interesse próprio, mas porque ele tem uma responsabilidade com a sociedade de não impor muitos custos muito sobre ela.

Para resumir, então, um sistema político que tenta implementar o direito à assistência médica irá, necessariamente, envolver: transferência forçada de riqueza para pagar pelos programas, perda de liberdade para os prestadores de serviços de saúde, maiores preços e acesso mais restrito para todos os consumidores, uma tendência para a igualdade e a coletivização da assistência médica. Essas consequências não são acidentais. Eles seguem necessariamente da natureza do direito alegado. 

Plano Clinton 
O mesmo é verdadeiro para o plano da administração Clinton - verdadeiro em uma escala muito maior. Este plano será muito mais destrutivo para as nossas liberdades do que qualquer coisa que tenhamos vivido até agora.

O plano prevê uma nova prorrogação dos subsídios para assistência médica: para aqueles que estão atualmente sem cobertura, e para aqueles que têm cobertura de saúde menos extensa do que a proposta de pacote padrão de benefícios. De onde esses subsídios virão? O governo rejeitou o chamado "sistema de pagador único", ou seja, a medicina abertamente socializada, na qual o governo paga todas as contas, porque sabe que o governo não conseguiria pagar. Os aumentos de impostos necessários seriam politicamente impossíveis. Assim, o plano de Clinton apela para um sistema nominalmente privado, em que os regulamentos em vigor forçam algumas pessoas a subsidiar outras. 

No coração do plano estão as alianças para a saúde: monopólios protegidos pelo governo em cada área, que irão receber prêmios e negociar com os prestadores de assistência médica, para que ofereçam planos aceitáveis. Todo mundo que vive em uma determinada área será obrigado a obter seguro de saúde através de sua aliança local monopolista de saúde. Profissionais prestadores de assistência médica- autônomos, convênios e outros- não podem lidar diretamente com os indivíduos. Eles podem oferecer seus serviços apenas por meio de alianças de saúde, sujeitos às condições que impuserem.

Uma dessas condições é a garantia de acesso: todos os planos devem estar dispostos a aceitar qualquer indivíduo que o queiram; ninguém pode ser excluído por qualquer motivo. Outra condição é a classificação comunitária: o preço do plano deve ser o mesmo para todos. Agora pense sobre os efeitos que isso terá sobre os incentivos. Se eu sei que, quando eu ficar doente, vou ser capaz de me matricular em qualquer plano que eu quiser, por um preço que não reflete meu estado, então eu não tenho nenhuma razão para obter seguro de saúde quando estou bem. Se as pessoas são livres para escolher se querem ou não obter e pagar por uma apólice, as únicas pessoas que se inscreverão serão os doentes, e os custos irão subir "através do telhado". Assim, o sistema só funciona se todos forem obrigados a participar. É exatamente isso que a proposta exige, e ,embora os detalhes da proposta mudem, esse é um ponto que não pode mudar.

Nacionalmente, o sistema será regida por um Conselho Nacional de Saúde, cujas duas principais funções serão a de determinar o pacote padrão de benefícios mínimos e definir os orçamentos globais. Os orçamentos globais forçarão as alianças de saúde a impor controles de preços sobre os prestadores de assistência médica. E o pacote padrão de benefícios será estabelecido pelo lobby de grupos de interesse, já que todos os grupos no campo da saúde tentarão incluir os seus serviços no pacote. Por exemplo, a definição atual do pacote inclui saúde mental e aconselhamento sobre abuso de substâncias. Você pode sentir que você não precisa de seguro para estes serviços, mas você vai pagar por eles.

Em resumo, o plano vai exigir um grande exercício de coerção contra as pessoas, muito além de tudo que vimos até agora. O que me traz de volta para a questão fundamental.

Fundações morais 

Conforme todas as situações que descrevi, qualquer tentativa de implementar um "direito" à assistência médica, necessariamente, sacrifica nossos verdadeiros direitos de liberdade. Temos que escolher entre os direitos de liberdade e direitos sociais. Eles são logicamente incompatíveis. É porque acredito nos direitos de liberdade que digo que não há tal coisa como um direito à assistência médica. Então, eu quero terminar explicando porque acho que os direitos de liberdade são fundamentais, e tentar antecipar algumas das questões e objeções que se possam ter.

Os direitos de liberdade são fundamentais porque os indivíduos são fins em si mesmos. Nós não somos instrumentos da sociedade, ou bens da sociedade. E se formos fins em nós mesmos, temos o direito de ser fins para nós mesmos: para ter a nossa própria vida e felicidade como nossos mais altos valores, para não sermos sacrificados por nada.

Acho que muitas pessoas têm medo de fazer valer os seus direitos e interesses como indivíduos, de fazer valer esses direitos e interesses morais, porque têm medo de serem rotulados de egoístas. Por isso, é vital que nós façamos algumas distinções. O que estou defendendo não é egoísmo, no sentido convencional: a vaidosa, egocêntrica busca de prazer, riqueza, prestígio ou poder. A genuína felicidade resulta de uma vida de realizações produtivas, de relações estáveis com os amigos e família, da troca pacífica com os outros. A busca de nosso próprio interesse, neste sentido, exigem que se atue em conformidade com os padrões morais da racionalidade, responsabilidade, honestidade e justiça. Se entendermos o "self" e seus interesses nos termos destes valores, então estou feliz em reconhecer que estou advogando o egoísmo.

Temos que estabelecer as mesmas distinções quando pensamos sobre o altruísmo. Pois é, no final, o código moral do altruísmo que faz com que as pessoas pensam que a necessidade é o principal, que uma necessidade dá o direito à habilidade e ao esforço dos outros. No sentido convencional, o altruísmo significa bondade, generosidade, caridade, vontade de ajudar os outros. Estas certamente são virtudes, desde que não envolvam o sacrifício de outros valores, e enquanto eles forem uma questão de escolha pessoal, não um dever imposto de fora. Eu poderia ressaltar a este respeito o fato de que os médicos têm sido, historicamente, extremamente generosos com seu tempo.

Em um sentido mais filosófico, no entanto, o altruísmo é o princípio de que a necessidade de uma pessoa é uma reivindicação absoluta sobre os outros, que anula os seus interesses e direitos. Por exemplo, o Dr. Edmund Pellegrino afirmou, em um artigo no JAMA: "uma necessidade médica, por si só, constitui uma reivindicação moral sobre aqueles equipados para ajudar". Esse princípio tem sido muitas vezes afirmado por pensadores que se opõem ao individualismo e é a base para a doutrina de direitos sociais. É a razão pela qual os defensores da participação do governo na área da saúde podem ter como certo que as necessidades dos pacientes são primárias, e que todos os outros podem ser obrigados a atender essas necessidades. 

Nenhuma base racional para este princípio já foi oferecida. O fato é que nossas necessidades devem ser satisfeitas pela produção, não tomando dos outros. E a produção vem daqueles que assumem a responsabilidade por suas vidas, que aplicam as suas mentes para os desafios que enfrentamos na natureza e para encontrar novas maneiras de responder a esses desafios. E Ayn Rand disse de maneira melhor, em seu romance The Fountainhead : "Os homens foram ensinados que a maior virtude é não conquistar, mas distribuir. Contudo, não se pode dar aquilo que não foi criado. A criação vem antes da distribuição ou não haverá nada para distribuir. A necessidade do criador vem antes da necessidade de qualquer beneficiário possível". A necessidade do criador, em qualquer campo, é a liberdade de agir, a liberdade de dispor dos frutos de seu trabalho como ele escolher, a liberdade de interagir com os outros numa base voluntária, pelo comércio e troca mútua. 
Essa liberdade é uma necessidade vital, não só para médicos, mas para os pacientes. É somente em um contexto de liberdade que a necessidade de uma pessoa não é uma ameaça para os outros. É somente em um contexto de liberdade que a benevolência genuína entre os povos é possível. É apenas num contexto de liberdade que o progresso da medicina, que tem trazido muitos benefícios para todos nós, pode continuar.

Os problemas de nosso sistema atual foram causados pelo governo. Mais governo não é a solução. Mas é preciso opor-se à expansão do controle do governo, em princípio, rejeitando alegações espúrias de um "direito" à assistência médica, e insistindo em nossos direitos genuínos à vida, liberdade, propriedade e à busca da felicidade. 

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